
"A favela é o quarto de despejo da cidade. Somos o lixo que eles jogam fora"
Carolina Maria de Jesus foi uma mulher de fibra que, nos anos 1940 e 1950, teve que trabalhar como catadora de papel para alimentar os filhos e construir, ela própria, com material encontrado no lixo, seu barraco na favela do Canindé (SP). Uma história muito comum, compartilhada por milhares de brasileiras ainda nos dias de hoje. O que diferencia a história de Carolina Maria, no entanto, foi sua paixão pelos livros e pela escrita, que acabaram indo parar em um livro que foi publicado em 16 idiomas, em mais de 40 países, e vendeu mais de 1 milhão de exemplares. A vida de sacrifícios e superação desta mineira, nascida em 14 de março de 1914, em Sacramento, foi encenada na noite da última quarta-feira (6), na Bibliotheca Pública Pelotense (BPP), dentro da programação da 47ª Feira do Livro de Pelotas.
Fotos: Luis Fabiano Gonçalves/Fio da Navalha
Na peça teatral Carolina Maria de Jesus – Diário de Bitita, Carolina Maria ganha voz pela boca da atriz Andréia Ribeiro, que aproveita cada uma das frases — muitas poéticas, outras tantas duras, como foi a sua vida — do texto teatral, adaptado por Ramon Botelho a partir dos livros dela. Andréia dá um show de interpretação e movimentação cênica. É precisa, ágil, em conformidade com os vários personagens que interpreta (Carolina-criança, Carolina-idosa, o pai e a tia de Carolina, entre outros). Andréia se envolve, se aprofunda e se emociona com os dramas da mulher batalhadora, sofrida, que passou por muitas coisas até ser "descoberta" como escritora, aos 44 anos. Foi com o sucesso estrondoso do primeiro livro, publicado em 1960, que pôde comprar uma casa, em um bairro de classe média da capital paulista. Nove anos depois, mudou-se para um sítio, em Parelheiros, na região do Grande ABC(D).
"Sou forte, não me abato." "Parece que vim ao mundo predestinada a catar... Só não cato a felicidade." "Tive três filhos, mas nunca quis casar. Sempre gostei da independência." "O livro é a melhor invenção do homem."
Essas e outras falas, que aparecem ao longo da peça, mostram a personalidade forte e a ponta de ironia de Carolina Maria com a própria sorte.
Outra marca de seus escritos, destacados na peça, é a forte presença da fome. Quando a fome apertava, o desespero se aproximava... "faz de conta que eu tô sonhando". "Quando eu não tenho o que comer, ao invés de eu xingar ou pensar em morte... eu escrevo." Mas nem sempre era possível engambelar a fome... "Como é horrível ver um filho comer e peguntar: 'Tem mais, mãe? Tem mais, mãe? Tem mais, mãe?' E não tem."
"A favela é o quarto de despejo da cidade. Nós somos o lixo que eles jogam fora."
A frase sarcástica origina o título do primeiro livro dela, descoberto por acaso por um jornalista que reconheceu, nos manuscritos de uma dezena de diários (cadernos velhos, encontrados no lixo), o potencial literário de Carolina Maria: "Quarto de despejo - o diário de uma favelada" (1960). A primeira tiragem, de 10 mil exemplares, se esgotou em uma semana. Em 1963, publicou, por conta própria, o romance "Pedaços de Fome" e o livro "Provérbios".
Fotos: Luis Fabiano Gonçalves/Fio da Navalha
Carolina Maria de Jesus morreu em 1977, um mês antes de completar os 63 anos, de bronquite asmática. Após sua morte, foram publicados o Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude; Um Brasil para Brasileiros (1982); Meu Estranho Diário; e Antologia Pessoal (1996). Cinco autores também publicaram livros sobre sua história e obra.
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