
Curso de Letramento Racial discute conceitos sobre racismo e suas implicações na sociedade
A primeira edição do Curso de Letramento Racial para Servidores dos Três Poderes foi encerrada nesta quarta-feira (25), com a realização de seu segundo e último encontro no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção Pelotas.
Imagem: Divulgação/SMIR
A iniciativa da Comissão de Igualdade Racial da OAB local e da Secretaria Municipal de Igualdade Racial (SMIR) contou com mais duas palestras em seu encerramento. A primeira apresentação ficou a cargo do delegado de Polícia Civil e ex-chefe de Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Fernando Sodré.
A partir de conceitos sociológicos e fatos históricos, o palestrante abordou definições como a de racismo estrutural e suas implicações na sociedade brasileira. Sodré lembrou que a escravidão do regime colonial sustentava um sistema econômico e, mesmo após a abolição da escravatura, em 1888, seguiu estigmatizando a população negra.
Teorias como o racismo científico, que atribuía inferioridade intelectual e moral a negros e indígenas, buscavam tornar o processo de escravização “justificável”. Segundo o palestrante, tal conceito ganhou mais força a partir das ideias de Arthur de Gobineau, que via a miscigenação como uma causa de degeneração social e civilizatória, o que contribuiu para o desenvolvimento de conceitos de pureza racial e arianismo, e Cesare Lombroso, que defendia a predisposição biológica à criminalidade e violência.
Para demonstrar que tais conceitos estão entranhados na sociedade brasileira e ainda contaminam as relações humanas no país, Sodré apresentou uma seleção de fotografias, com representantes do alto escalão militar, do Judiciário, de políticos eleitos, de estudantes de medicina. Todas elas tinham algo em comum: a ausência de pessoas negras. “Não há como imaginar que a escravidão não tenha causado impactos ao nosso país”, avaliou.
Para o delegado de Polícia, um passo importante para começar a enfrentar o racismo é reconhecer que ele existe. “Sem isso, não vamos avançar”, considerou. De acordo com ele, também é preciso investir em uma educação voltada para valores humanistas. “O racismo estrutural age inercialmente, e nada mudará se medidas não forem adotadas”, afirmou.
A manhã foi concluída com a fala do sociólogo e titular da SMIR, secretário Júlio Domingues. Com a apresentação “Racismo nas políticas públicas”, Domingues reforçou conceitos trabalhados ao longo do curso. Para ele, o racismo institucional é a materialização do racismo estrutural na prática cotidiana das instituições públicas e privadas. Conforme o secretário, são muitos os dados oficiais que apontam as desigualdades enfrentadas pela população negra, inclusive no acesso ao serviço público, a recursos, oportunidades e a direitos básicos, como o saneamento. “É difícil encontrar um dado social negativo onde a população negra não esteja retratada”.
Domingues também discutiu o conceito de privilégio branco, estabelecido através do racismo estrutural, que assegura vantagens implícitas ou não, inconscientes ou não, em situações formais ou informais da vida cotidiana. “Não estamos negando que uma pessoa branca enfrenta suas dificuldades e desafios, mas ela nunca será preterida em função da cor da pele”, explicou.
O secretário convidou o público a entender, refletir e atuar na perspectiva de que o racismo está presente na sociedade para que o problema possa ser enfrentado. “É uma tarefa de todos nós”, finalizou.
Para o secretário da SMIR, Júlio Domingues, a atividade, considerada pioneira no município, foi bastante proveitosa e bem-sucedida. Para ele, é difícil ficar indiferente a todas as informações apresentadas durante os dois dias de curso. Domingues destacou a qualidade dos palestrantes e suas apresentações e a presença diversa de várias representações do serviço público de Pelotas. “O principal legado deste trabalho é trazer a percepção de que o racismo influencia nas relações sociais, no nosso cotidiano e em nossas práticas”, comentou.
Para a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Subseção Pelotas, Sinara Ferreira, a realização do curso na sede da entidade traz um peso simbólico bastante significativo. “É histórico. É um compromisso real com a justiça social e racial.”
Ela considera a parceria com a SMIR um alinhamento com coragem e responsabilidade, capaz de promover mudanças concretas. “Ter uma secretaria que assume essa pauta e atua lado a lado com a OAB é sinal de que estamos avançando”, considerou.
Sinara também enalteceu o alto nível dos palestrantes – o Dr. Fábio Gonçalves e a psicóloga Iyá Sandrali apresentaram-se no primeiro dia da programação. “Eles trouxeram não apenas profundo embasamento teórico, mas também suas vivências enquanto pessoas negras que enfrentam — por dentro — as estruturas que, por tanto tempo, nos invisibilizaram”, considerou.
A advogada colocou a parceria à disposição das instituições presentes para a realização de formações sobre o tema e pediu que eles atuem como multiplicadores do conteúdo que receberam. “Que essa formação não pare por aqui e que o serviço público, pouco a pouco, se transforme em um espaço mais justo, mais acessível e verdadeiramente antirracista”, concluiu.